sexta-feira, 27 de julho de 2012

Planejando as etapas da produção artística - Mauricio Soares


Uma das características culturais do brasileiro, infelizmente, é deixar tudo para a última hora. É tradicional que às vésperas de datas especiais como Natal, Páscoa ou Dia das Mães o comércio receba hordas de pessoas ensandecidas para comprar as últimas (ou primeiras até) lembrancinhas para os amigos e familiares. O dia final de envio das declarações de imposto de renda é sinônimo de engarrafamento virtual devido ao enorme tráfego acumulado de informações no sistema da Receita Federal. Enfim, para boa parte da população brasileira, a falta de planejamento é algo tão enraizado que torna-se um traço da cultura da identidade nacional.
A cada dia que se passa, mais tenho buscado trabalhar com planejamento e, confesso, essa mudança de postura e mentalidade, não são ações tão simples, fáceis, naturais, de se tomar. Mesmo entendendo que a mudança da forma de pensar e trabalhar em prol do planejamento são atitudes absurdamente positivas, é certo que não se faz esta mudança radical e cultural da noite para o dia. É algo que precisa ser trabalhado pouco a pouco focando um estágio mais avançado e ideal no futuro. Ou seja, para se ter uma mente focada em planejamento, é necessário também se planejar!
E essa palavra, tão conhecida, mas com uso tão limitado em nosso meio, precisa realmente ser mais observada por todos nós! E o objetivo desse texto, escrito entre uma ponte aérea pelas cidades de São Paulo e Belo Horizonte, em mais uma de minhas viagens de trabalho, é elencar alguns passos importantes para um projeto artístico do ponto de vista do planejamento. Vou tentar ser o mais didático possível para que mesmo durante essa curta viagem, consiga finalizar esse texto. Vou precisar seguir um planejamento mentalizado para que o texto tenha o máximo de informações práticas possíveis!
A primeira parte de um planejamento na execução de um CD, de um projeto musical, deve ser feito seguindo o sentido cronológico inverso. Ou seja, o popular, de frente pra trás. O artista precisa definir a melhor data de lançamento do produto. Definida essa data, colocamos o tempo de logística entre a produção final do CD e a logística de entrega. A partir do momento em que o CD chega em estoque na fábrica, ele leva em média de 5 a 7 dias para chegar ao seu destino no Brasil. Levando-se em consideração que a remessa para os lojistas levam outros 5 a 7 dias, estima-se que a data de loja seja de 15 dias em média. Vamos tentar ilustrar essas informações com uma data empírica. Digamos que o determinado artista ou mesmo gravadora tenha como objetivo lançar um álbum para o Natal. Então, a grosso modo estabelecemos como data-loja o dia 10 de novembro. Assim, faremos o sentido inverso de contagem de dias.
Para um CD ‘estrear’ na loja em 10 de novembro consideraremos 10 dias entre o envio do pedido ao lojista e sua logística interna. Portanto, o artista/gravadora deverão programar-se para enviar o pedido ao lojista no máximo até o dia 30 de outubro. Se o artista/gravadora levar um período de 5 dias entre recebimento da produção, cremos que até o dia 25 de outubro o material seja enviado pela fábrica responsável pela prensagem do material. Assim, a fábrica deve finalizar sua produção por volta do dia 20 de outubro. O tempo médio de produção em fábrica é de 15 a 25 dias, portanto todo material gráfico e de áudio devem estar prontos, aprovados e finalizados em fábrica por volta do dia 01 de outubro.
Agora retrocedemos à operação com os processos de mixagem e masterização. Numa produção com 12 faixas, o tempo entre mix e master, além da audição apurada do resultado final demandam um tempo de 10 a 15 dias. Portanto, já estamos por perto do dia 15 de setembro. Em média, a gravação em estúdio dura de 45 a 60 dias de uma boa produção entre gravação de arranjos, instrumentos, vocais, voz principal. Assim, já estamos próximos a 15 de julho, ou seja, toda a operação para se ter um CD em 10 de novembro em lojas, o projeto deve iniciar sua produção aproximadamente 4 meses antes. Mas engana-se que serão apenas esses 4 meses o processo de gravação de um CD, pois somente na fase de escolha de repertório, estima-se um período de, no mínimo, 3 meses, sendo que o ideal mesmo, é não estabelecer prazos para essa fase. A escolha de repertório pode durar 3, 6, 12 meses … o ideal é que o artista apenas entre em estúdio quando definitivamente tiver certeza de que as músicas escolhidas no repertório serão efetivamente as melhores!
Em paralelo ao processo de gravação, o artista/gravadora devem também organizar todo o desenvolvimento gráfico do álbum. Neste período temos a escolha da equipe de fotos e criação do projeto gráfico. Para a sessão de fotos temos a escolha de locação, conceituação do projeto em si, escolha de figurinos, equipe de produção. Depois desenvolvimento do projeto gráfico, escolha de fotos, tipologia, informações técnicas etc. Todo esse processo leva em média de 10 a 20 dias, dependendo da qualidade dos profissionais envolvidos.
Voltando ao período de escolha e definição de repertório, outro detalhe que é fundamental e que pode simplesmente atrapalhar a todo o desenvolvimento do cronograma e planejamento do projeto é com relação às questões de label. Mas o que chamamos de ‘label’? Label é todo o processo que compreende o trabalho de documentação de um álbum que inclui ficha técnica com nomes, documentações e informações de todos os músicos e profissionais envolvidos na produção. Também compreende as autorizações dos autores das músicas. No caso das versões de músicas internacionais também é necessária autorização e dependendo da editora responsável pelos direitos, esse processo pode ser um pouco mais complicado. Ter atenção à autorizações, documentações, contratos e tudo que diz respeito à parte jurídica de um projeto artístico é fundamental!
Tenho ciência de muitos casos, inclusive bem recentes, de projetos prejudicados já na fase final de início de produção em fábrica porque não foram observadas as questões de liberações, autorizações e documentações. E aí, a menos que você goste de fortes emoções ou mesmo de sentir-se refém, o ideal é que toda essa parte jurídica esteja resolvida antes mesmo da fase de gravação em estúdio. Recentemente soube de um grande projeto que foi “refém” de uma compositora que simplesmente chantageou o produtor do projeto para que este a pagasse a título de advanced um valor absurdamente fora da realidade do mercado, simplesmente porque essa compositora havia dado sua liberação através da ‘palavra’ e não por termo devidamente assinado. Quando o projeto estava prestes a seguir para a fábrica, essa pessoa disse na maior cara dura: ”Me paga o que estou pedindo ou simplesmente não dou a autorização!” Resultado, o produtor foi obrigado a pagar! Lição caríssima, mas lição aprendida, espero eu.
Também na fase de planejamento, o artista/gravadora devem pensar nas questões orçamentárias, investimento de marketing, estúdio de gravação e principalmente o profissional que estará à frente do projeto, o produtor do álbum. Neste momento, o artista deve analisar os profissionais que mais se adequam ao seu estilo, que estejam produzindo trabalhos diferenciados e que tenha disponibilidade de tempo para dedicação ao seu projeto. Detalhe: em nosso meio temos certos produtores de destaque que são extremamente competentes, mas nem tão organizados. É fundamental que um contrato seja estabelecido com este profissional observando diversos detalhes, principalmente o cronograma de produção. Infelizmente temos certos profissionais em nosso meio que assumem inúmeras produções simultâneas e acabam, naturalmente, não atendendo às expectativas dos artistas e gravadoras.
Mudando a trajetória de nosso exercício de planejamento, agora de trás para a frente. Devemos focar na elaboração do projeto de marketing. O ideal é que esse planejamento seja estabelecido cerca de 60 dias antes da data-loja e que determine as ações e estratégias para o período compreendido entre 3, 6 e 12 meses, ou seja, tendo 3 fases distintas. Deve-se levar em conta que um álbum tem um vida ativa entre 18 a 24 meses, em média. Numa próxima oportunidade poderei abordar mais a questão do planejamento de marketing de um produto. Por ora, vamos ficando por aqui. Espero que este texto contribua de alguma forma para que você compreenda melhor a necessidade de se respeitar os prazos e etapas inerentes ao processo. Sabendo planejar-se corretamente, os riscos de eventuais sustos tornam menores, não inexistentes, mas menores.

Mauricio Soares, publicitário, jornalista, observador contumaz e cada vez mais um profissional de planejamento.
publicação original: www.observatoriocristao.com

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